Estresse e o seu efeito na saúde bucal

Estudos epidemiológicos realizados em animais no ano de 2008, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontaram relação entre as doenças periodontais e o estresse. Isso após estudos anteriores em animais e epidemiológicos sugerirem que o estresse pode alterar o estabelecimento e a progressão da doença periodontal.
O estudo deu origem à tese de doutorado de Daiane Cristina Peruzzo. Intitulada “Impacto do estresse na doença periodontal”, a tese, realizada na mesma faculdade, aponta que, o estresse em associação com a má higiene bucal aumenta as chances do desenvolvimento de doenças periodontais.
À época, Peruzzo concluiu em sua tese, dentre outros fatores, que “os estudos em humanos analisados na revisão sistemática, demonstraram, em maioria (57,1%), um desfecho positivo entre estresse/fatores psicológicos e doença periodontal. Sendo assim, pode ser observado que há uma importante inter-relação entre os fatores psicossociais e as doenças periodontais”.
Após estudo, Peruzzo concluiu pós-doutorado relacionando a Periodontia e Implantodontia na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, onde atualmente continua em clínica, é docente e pesquisadora. A profissional também atua como professora colaboradora da FOP – Unicamp. A doutora reafirma, atualmente, que o estresse crônico tem repercussão na saúde bucal, pois ele pode atuar de duas maneiras: pelo modelo comportamental ou pelo modelo biológico. “O modelo comportamental é quando os indivíduos tendem a piorar seus hábitos, de modo a influenciar negativamente na saúde periodontal, negligenciando a higiene oral, aumentando o consumo de cigarros e ingerindo bebidas alcoólicas, além de haver o descontrole de diabetes, mudança de dieta, entre outras coisas”, afirma.
Já o modelo biológico é o que é gerado no corpo do paciente, devido a este estresse crônico. “Neste caso há um aumento na liberação de hormônios, dentre eles, o cortisol, que gera alterações no organismo e leva à redução do fluxo salivar, alteração da circulação gengival e às alterações na resposta imune-inflamatória dos tecidos bucais”, acrescenta a doutora. De acordo com ela, o modelo biológico do estresse crônico pode ser detectado clinicamente “por meio de sangramento e inchaço das gengivas, retração gengival, perda óssea que pode levar à mobilidade dos dentes, aumento de lesões de cárie e mau hálito”.
Os hábitos, como fumar cigarro e consumir álcool, estão indiretamente relacionados ao estresse. “O hábito de fumar é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento e progressão da doença periodontal, pois facilita a proliferação de bactérias patogênicas e reduz as células de defesa presentes nos tecidos gengivais”, alerta. Paralelamente, o consumo de álcool age pela alteração do comportamento, onde os indivíduos passam a descuidar da higiene bucal, da sua alimentação e da saúde como um todo. “Esses fatores, associados aos possíveis efeitos do estresse, podem levar a um aumento na progressão e severidade das doenças periodontais, bem como lesões de cáries”, acrescenta Peruzzo.
A doutora explica que, em resposta ao estresse, algumas mudanças fisiológicas decorrem da ativação do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), enquanto outras, da ativação do eixo HipotálamoPituitário-Adrenal (HPA) – os quais também foram citados em seu estudo de 2008. “A ativação desses sistemas resultam na liberação de hormônios, os quais vão agir sobre a glândula adrenal, responsável pela produção de cortisol e catecolaminas. Estas substâncias regulam uma série de funções corporais, incluindo efeitos na modulação do sistema imune, responsável pelas defesas do organismo. Essa modulação, que altera o equilíbrio do sistema imune, causa predisposição a uma maior progressão e severidade de doenças imune-inflamatórias, incluindo a doença periodontal. Associado ao efeito biológico, a má higiene bucal propicia acúmulo de bactérias na cavidade bucal que são a causa primária de cárie e doenças periodontais”.
Na ordem biológica, ainda, outra consequência do estresse pode ser a halitose. “Um dos principais vetores causadores da halitose é a redução do fluxo salivar, e o estresse pode produzir esse efeito. Desta forma, a halitose pode, sim, estar relacionada tanto ao estresse como a medicações que são utilizadas para o tratamento das desordens psicológicas”, diz.
Apesar de tais constatações, Peruzzo afirma que o estresse é capaz de causar essas alterações no metabolismo, mas na ausência a placa bacteriana, não consegue por si só desencadear a doença periodontal. “Isso significa que, mesmo na presença de estresse, se o indivíduo tiver cuidados adequados com a higiene, não há desenvolvimento de doença periodontal”, lembra.
Mesmo que haja a identificação do estresse relacionado com a doença periodontal no paciente, a doutora afirma que não é possível quantificar se tais doenças são apenas relacionadas ao estresse: “Existem os vieses de confusão, que são outras variáveis que podem interferir na expressão da doença, por exemplo, fumo, diabetes, etc. Desta forma, fica difícil quantificar o quanto que a variável do estresse, isoladamente, pode interferir na expressão da doença”.
Dentista e psicólogo
Independentemente do fato de o dentista não conseguir identificar se o problema bucal é relacionado diretamente ou não ao estresse, segundo Peruzzo, sempre que ele diagnosticar um paciente com este problema, estes devem receber uma atenção diferenciada. “O dentista tem o dever e a responsabilidade de buscar a causa dos problemas”, diz.
Ela lembra que só o estresse não causa problemas na cavidade bucal, se for realizado um adequado acompanhamento relacionado a uma higiene bucal satisfatória e manutenção da saúde periodontal.
Desta forma, o dentista deve orientar o paciente para que ele tenha conhecimento dos possíveis danos causados pelo estresse, da importância dos cuidados com a higiene bucal, da necessidade de tratamento periodontal e, muitas vezes, da necessidade de uma abordagem multidisciplinar com um profissional capaz de tratar desordens psicológicas.
O dentista não tem formação psicológica para saber identificar que o paciente está sofrendo estresse e qual tipo de estresse é esse, para tratar o problema desde seu início – e para, consequentemente, conseguir tratar por completo a causa final na saúde periodontal. Entretanto, quando o dentista identificar uma desordem psicológica mais severa, deve encaminhar o paciente a um tratamento psicológico especializado para atrelar seu tratamento odontológico. “O dentista não tem formação acadêmica para diferenciar os tipos de estresse e para tratar isso, mas diante de uma anamnese, uma entrevista com o paciente bem detalhada, consegue identificar a presença de desordens psicológicas neste paciente e observar a necessidade de trabalhar associado a um profissional especializado”, afirma a cirurgiã-dentista.
Quando o estresse é identificado pelo dentista, através da anamnese ou conversas com o paciente, Peruzzo aconselha considerar duas situações diferentes em relação a tal paciente: aquele que chega ao consultório com saúde bucal e o paciente que já chega com algum grau de doença periodontal – como a gengivite ou periodontite. “Nos casos de saúde, devemos informá-lo sobre a possibilidade de alterações relacionadas ao estresse na cavidade bucal e orientar sobre a necessidade de cuidados específicos relacionados à placa bacteriana. Nos casos em que os pacientes já chegam com algum grau de doença periodontal, deve-se realizar o tratamento dessas doenças com atenção especial à higiene bucal do paciente”, indica. Em ambos os casos, para ela, tais indivíduos devem fazer consultas de “manutenção mais frequentes para melhor resultado do tratamento e prevenir o agravamento das doenças bucais”.
Quando o problema psicológico afetar a saúde bucal e o paciente não conseguir lidar com sua higiene bucal e idas constantes ao consultório odontológico, o dentista não conseguirá aplicar um tratamento odontológico que resolva os problemas bucais por completo – devendo de fato, então, realizar uma abordagem em conjunto com um profissional da saúde mental. “Neste caso, o dentista assume o seu papel em relação aos cuidados com a saúde bucal e o profissional da saúde mental será responsável por assumir os cuidados necessários para ajudar o paciente em relação aos seus problemas de ordem psicológica”, recomenda.
Para associar o tratamento bucal com outros profissionais, como psicólogos e outros da saúde, é preciso lembrar, primeiramente, que o paciente deve ser visto como um todo. “Precisamos quebrar os paradigmas de que o médico enxerga o paciente sem boca e o cirurgião-dentista enxerga uma boca sem corpo! Precisamos entender os pacientes na sua integralidade, respeitando suas ansiedades, medos e expectativas. Adicionalmente, devemos perceber que os pacientes estressados devem ser vistos de uma maneira diferenciada, entendendo as repercussões do estresse na saúde bucal e possibilitando um tratamento diferenciado”, finaliza.
Fonte: Odontomagazine, escrita por Daiane Cristina